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Leia uma redação nota máxima no Enem 2016 com comentários

Allan Nascimento
Allan Nascimento
Publicado em 16/10/2017 às 18:06
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Na Cartilha da Redação do Enem 2017, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) nesta-segunda-feira (16), foram apresentadas oito redações que atingiram a nota máxima na prova. O documento, que explica todos os critérios que servem de base para a correção dos textos, acrescentou comentários explicando pontos de destaque em cada um dos textos.

Abaixo, confira uma das dissertações comentadas:

Redação de Vinícius Oliveira de Lima

Tolerância na prática

A Constituição Federal de 1988 – norma de maior hierarquia no sistema jurídico brasileiro – assegura a todos a liberdade de crença. Entretanto, os frequentes casos de intolerância religiosa mostram que os indivíduos ainda não experimentam esse direito na prática. Com efeito, um diálogo entre sociedade e Estado sobre os caminhos para combater a intolerância religiosa é medida que se impõe.

Em primeiro plano, é necessário que a sociedade não seja uma reprodução da casa colonial, como disserta Gilberto Freyre em “Casa-Grande Senzala”. O autor ensina que a realidade do Brasil até o século XIX estava compactada no interior da casa-grande, cuja religião era católica, e as demais crenças – sobretudo africanas – eram marginalizadas e se mantiveram vivas porque os negros lhe deram aparência cristã, conhecida hoje por sincretismo religioso. No entanto, não é razoável que ainda haja uma religião que subjugue as outras, o que deve, pois, ser repudiado em um estado laico, a fim de que se combata a intolerância de crença.

De outra parte, o sociólogo Zygmunt Bauman defende, na obra “Modernidade Líquida”, que o individualismo é uma das principais características – e o maior conflito – da pós-modernidade, e, consequentemente, parcela da população tende a ser incapaz de tolerar diferenças. Esse problema assume contornos específicos no Brasil, onde, apesar do multiculturalismo, há quem exija do outro a mesma postura religiosa e seja intolerante àqueles que dela divergem. Nesse sentido, um caminho possível para combater a rejeição à diversidade de crença é descontruir o principal problema da pós-modernidade, segundo Zygmunt Bauman: o individualismo.

Urge, portanto, que indivíduos e instituições públicas cooperem para mitigar a intolerância religiosa. Cabe aos cidadãos repudiar a inferiorização das crenças e dos costumes presentes no território brasileiro, por meio de debates nas mídias sociais capazes de descontruir a prevalência de uma religião sobre as demais. Ao Ministério Público, por sua vez, compete promover ações judiciais pertinentes contra atitudes individualistas ofensivas à diversidade de crença. Assim, observada a ação conjunta entre população e poder público, alçará o país a verdadeira posição de Estado Democrático de Direito.

Comentários da cartilha:

O participante demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, uma vez que a estrutura sintática é excelente e há desvio apenas na última linha, em que o participante não usa o sinal grave indicativo de crase em “alçará o país à verdadeira posição de Estado Democrático de Direito”.

Em relação aos princípios da estruturação do texto dissertativo-argumentativo, percebe-se que o participante apresenta tese, desenvolvimento de justificativas que comprovem essa tese e conclusão. Ou seja, o participante apresenta excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo. Além disso, o tema é abordado de forma completa: já no primeiro parágrafo, trata-se tanto da intolerância religiosa quanto dos caminhos para combatê-la, os quais são desenvolvidos ao longo do texto.

Observa-se no texto a presença de repertório sociocultural no 2º parágrafo, em que se faz referência à obra de Gilberto Freyre, e no 3º parágrafo, em que cita a obra de Zygmunt Baumann. Destaca-se que o participante faz uso produtivo desse repertório sociocultural, uma vez que as informações são trazidas ao texto com um propósito e estão articuladas à discussão apresentada.

Percebe-se, ao longo da redação, a presença de projeto de texto estratégico, que se configura na organização e no desenvolvimento do texto. O participante apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema proposto, de forma consistente e organizada para defender seu ponto de vista de que, na prática, os brasileiros não possuem de fato o direito à liberdade religiosa e, para mudar esse contexto, é necessário haver um diálogo entre sociedade e Estado.

Há também, nesta redação, um repertório diversificado de recursos coesivos, sem inadequações. Há articulação entre os parágrafos (“em primeiro plano”, “de outra parte”, “portanto”) e entre as ideias dentro de um mesmo parágrafo (1º parágrafo: “entretanto”, “esse”, “com efeito”; 2º parágrafo: “no entanto”, “pois”; 3º parágrafo: “esse”, “onde”, “nesse sentido”; 4º parágrafo: “por sua vez”, “assim”; etc.).

Por fim, o participante elabora excelente proposta de intervenção, concreta, detalhada e que respeita os direitos humanos. As propostas apresentadas têm como agentes a sociedade e o Estado, como o participante já havia adiantado na apresentação de sua tese.

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